sábado, 6 de fevereiro de 2010

Pode ser a minha vez? Eu prefiro que seja

Cheguei. Acabei de chegar de mais uma visita e começo a interrogar-me se terá sido a última. Depois do que lhe aconteceu a ele, era demasiado cruel acontecer o mesmo a elas. Não sei se aguentava a dor, não sei porque sei o que lhe aconteceu a ele. É uma dor quase inexplicável. Sentia-me a sufocar e pensei em tudo o que tínhamos passado anteriormente – eu e ele. O meu corpo ficou sem forças, as minhas mãos, húmidas mas ao mesmo tempo geladas, tapavam a minha cara. Todavia as lágrimas de dor que tentava esconder continuavam à vista de todos. Tudo isto quando recebi a noticia dele. Da morte dele. Tudo isto porque ele me deixou e não me cheguei a despedir. Devia ter ido ao seu encontro e dito “avô gosto muito de ti, vai correr tudo bem”, em vez disso, fiquei no quarto a estudar. Fiquei e fui uma covarde.
Hoje, quando as vi pensei nele. Pensei em como seria perder uma delas, como o perdi a ele. Não aguentava, cheguei a essa conclusão, era demasiado infernal.
Quando entrei vi a mais velhota, a avó Maria. Estava sentada no cadeirão escuro, a luz que provinha da janela batia-lhe na cara e ela sentia-se incomodada, mas satisfeita pela luz ser quente e não fria. Olhou-me dos pés à cabeça e quando me conheceu, quando idealizou realmente quem eu era, disse o meu nome. Disse também que eu estava bonita e que se lembrava de mim quando era pequena. Nesta altura já eu me encontrava com as lágrimas nos olhos mas sempre com o meu maior sorriso para não lhe transmitir dor. Nem sei que tipo de dor sentia no momento. Mas não lha queria transmitir. Era uma dor de saudade, mesmo sabendo que ela continua comigo. Uma dor satisfeita por saber que estava com ela naquele momento. Uma dor estranha. Estranha e diferente. Quando saí do quarto dela despedi-me, disse-lhe tudo como se fosse a última despedida.
Entrei no quarto da minha outra avó, ela estava deitada na cama, imóvel. A cama tinha grades e ela estava amarrada. Eu sabia que ela não queria ali estar, se fosse eu também não queria. A cama tinha uns lençóis brancos e o quarto era pobre, não tinha cores, não tinha o amor de um quarto. Ela não sentia amor por ele. Aquele quarto definitivamente não era o dela! Não deu pela minha entrada mas tinha esperança que desse pela minha presença. Infelizmente não sei se deu. Tinha os olhos fechados, quer dizer, tinha-os abertos mas não estava a ver nada. Ocorreu-me a ideia dela estar cega mas não quis transmitir essa ideia a ninguém. Nem a quis transmitir a mim própria. Disse-lhe que gostava dela, disse-lhe que era sua neta, disse-lhe que estava com ela para sempre. Ela, estática, não respondeu. Ao fim de uns minutos ela acordou do estado “acordado a dormir”, quando digo que acordou, foi porque ela abriu os olhos e olhou. Não estava apenas a olhar… ela viu-me! Ela olhou para mim e tentou proferir alguma coisa. Não percebi. Tentei, perguntei de novo. Não percebi nada. Precisava de saber mas não soube. Ela falou de novo… desta vez percebi! Ela disse apenas “tirem-me daqui, elas matam-me!”, nesta altura agarrei-me a ela com tanta força que quem a ia matando era eu. Precisava de lhe transmitir paz, precisava que ela me sentisse ali. Precisava que ela soubesse o quanto gosto dela. Não sei se soube, não sei se percebeu mas tentei.
Não sei se foi a ultima vez… mas a partir de agora vou despedir-me sempre como se fosse a última.
Preciso delas… Mulheres firmes que tomaram conta de mim, me apoiaram, me criaram. Não as quero perder, não agora. Não as posso perder. Prefiro perder-me a mim do que perder mais alguém que ame. Prefiro ser eu agora…

1 comentário:

  1. A vida é dura... mas o tempo ajuda a atenuar a dor. E acho um bom gesto mostrares que gostas das pessoas todos os dias.
    Adorei a narrativa.

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